O Museu de Arte Moderna da Bahia é um espaço repleto de contradições, que vêm desde sua origem histórica: o Solar do Unhão, onde atualmente encontra-se o museu, era um antigo engenho de cana-de-açúcar, contemporâneo da cultura escravocrata brasileira. Atualmente, após exercer uma série de funções, o Solar do Unhão abarca as propostas artísticas modernas e contemporâneas de Salvador, e esporadicamente do Brasil e do mundo.
Até bem pouco tempo atrás, ao percorrerem as instalações do MAM, os visitantes tinham a opção de jantar em um restaurante de comidas típicas baianas, que funcionava no prédio da antiga senzala do Solar do Unhão. Lá, onde os escravos dormiam, se alimentavam e viviam em condições sub-humanas, o público – turistas em sua maioria - podiam agora vislumbrar espetáculos de capoeira e se deliciar com as iguarias locais, em uma ironia do destino. A mesma dança/luta, sinônimo de resistência racial e cultural, era naquele momento apresentada de forma folclórica e caricata. Hoje em dia, um novo restaurante convive com novas galerias, que recebem as exposições temporárias do MAM.
Foi um painel do nosso querido artista moderno Carybé que serviu de cenário para mais um “motivo” para as intervenções coletivas do GIA e do Opavivará!. O local escolhido foi a praia em frente ao Parque das Esculturas: uma zona “isolada” do complexo arquitetônico do MAM, que instiga a todos: praia particular (já que não havia entrada livre até bem pouco tempo), restrita a um público seleto, ou zona de livre circulação?
O Carrinho do GIA garantiu a música, o Caramujo a sombra, o Carrinho de bebê do OPA os líquidos refrescantes, as cadeiras triplas de praia criam mais um ambiente para o convívio coletivo, a troca de ideias e a formação, em eterna permutação, de novas pequenas células de pensamento; os infláveis e o Flutuador a possibilidade de convivência em pleno mar, quase uma zona autônoma temporária. O caráter autônomo, ambulante, efêmero e quase precário destas estruturas faz lembrar os velhos cortejos da fobica de Dodô e Osmar. Contagiante caminhada sem pouso definido, a deriva errante do deambular.
Pessoas jogando futebol, outras usufruindo do churrasco improvisado ou compartilhando a experiência coletiva flutuante, que desafia também os limites desse dito “espaço público” que é o mar, cujas fronteiras são por si só enigmáticas. O mar, esse pequeno infinito que nos incita a idéia de um infinito ainda maior.
Como não poderia deixar de ser, em se tratando de uma instituição, os seguranças do MAM se sentiram incomodados com a ocupação inusitada da pequena praia quase sempre tranquila e vazia, principalmente com as possíveis ameaças à “segurança” do painel de Carybé (onde, por coincidência, são representadas pessoas dançando e se movimentando!!). Os seguranças deveriam usar roupas mais leves naquele cenário tão paradisíaco, feito de calor e de maresia. O convite para se juntarem a nossa celebração não foi aceito. Celebram o que? Mas estarmos aqui todos juntos já não é motivo suficiente? As eternas contradições vistas pelo OPAmaisGIA nessa terra de magias que é a Bahia. A lavagem do senhor do Bonfim, por exemplo, que é feita com as portas da igreja fechada. Mas Jorge Amado profetizou, em O Sumiço da Santa: "Antes lavava-se a igreja inteira, celebrava-se Oxalá no altar de Jesus, um dia voltará a ser assim". A praia para poucos, pra ninguém, voltou a ser praia de todos, dançando como no painel de Carybé. Ocupar espaços proibídos e ociosos da cidade com dança, música e festa é um gesto político. Mas mais do que isso é um gesto em busca do prazer, sentimento que o autoritarismo do poder público tenta cercear. Contra a culpa e o sofrimento, pelo orgasmo e pela alegria, só acreditamos em deuses que saibam dançar.